O TATU
para Robert Lowell
Esta é a época do ano
quando quase toda noite
aparecem os ilegais e frágeis balões.
Escalando a altura da montanha,
subindo na direção de um santo
ainda reverenciado nestes lugares,
as câaras de papel rubras e cheia de luz
sibilam como corações.
Uma vez, no alto, contra o céu,
fica difícil falar-lhes das estrelas ―
isto é, planetas ― as estrelas coloridas:
Vênus descendo ou Marte,
ou o verde pálido cadente. Com o vento,
tremeluzem, vacilam, cambaleiam e agitam-se;
porém, é ainda com calma que os balões encaminham-se
por entre as pipas coladas ao Cruzeiro do Sul,
e recuando, decaindo, solenemente
e firmemente nos abandonam,
ou, na baixa corrente de ar do pico,
súbito tornam-se perigosos.
Noite passada caiu um outro grande.
Se espatifou como um ovo de fogo
contra o penhasco atrás da casa.
A chama se estendeu abaixo. Vimos um par
de corujas que lá do ninho voavam
e revoavam, tumulto branco e preto
manchado de rosa claro por baixo até
gritarem bem alto e fora das vistas.
O antigo ninho de corujas pegou fogo.
Às pressas, totalmente solitário,
salpicado de rosa, um brilhante tatu deixou a cena,
com a cabeça e a cauda abaixadas,
e então, para nossa surpresa,
Um bebê coelho, de orelhas curtas, pulou.
Tão suave! ― um punhado de cinza intocável
com olhos incendiados e fixos.
Mímica de sonho, lindo demais!
Ó grito penetrante e fogo cadente,
Pânico e ignorante punho frágil
Cerrado contra os céus!
Traduzido por Dalcin Lima aos 05 de março de 2015.
THE ARMADILLO
for Robert Lowell
This is the time of year
when almost every night
the frail, illegal fire balloons appear.
Climbing the mountain height,
rising toward a saint
still honored in these parts,
the paper chambers flush and fill with light
that comes and goes, like hearts.
Once up against the sky it's hard
to tell them from the stars—
planets, that is — the tinted ones:
Venus going down, or Mars,
or the pale green one. With a wind,
they flare and falter, wobble and toss;
but if it's still they steer between
the kite sticks of the Southern Cross,
receding, dwindling, solemnly
and steadily forsaking us,
or, in the downdraft from a peak,
suddenly turning dangerous.
Last night another big one fell.
It splattered like an egg of fire
against the cliff behind the house.
The flame ran down. We saw the pair
of owls who nest there flying up
and up, their whirling black-and-white
stained bright pink underneath, until
they shrieked up out of sight.
The ancient owls' nest must have burned.
Hastily, all alone,
a glistening armadillo left the scene,
rose-flecked, head down, tail down,
and then a baby rabbit jumped out,
short-eared, to our surprise.
So soft! — a handful of intangible ash
with fixed, ignited eyes.
Too pretty, dreamlike mimicry!
O falling fire and piercing cry
and panic, and a weak mailed fist
clenched ignorant against the sky!
THE ARMADILLO. In: Poetry Foundation. Disponível em:
A ARTE DE PERDER
A arte de perder não é nenhum mistério;
Tantas coisas contêm em si o acidente
De perdê-las, que perder não é nada sério.
Perca um pouquinho a cada dia. Aceite, austero,
A chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Depois perca mais rápido, com mais critério:
Lugares, nomes, a escala subsequente
Da viagem não feita. Nada disso é sério.
Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
Lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Perdi duas cidades lindas. E um império
Que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.
– Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo
que eu amo) não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser mistério
por muito que pareça (Escreve!) muito sério.
Traduzido por Paulo Henriques Britto. In: REVISTA MODO DE USAR. Disponível em: < http://revistamododeusar.blogspot.com.br/2013/02/elizabeth-bishop-1911-1979.html>. Acesso em: 25. Dez. 2015.
ONE ART
The art of losing isn't hard to master;
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster.
Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn't hard to master.
Then practice losing farther, losing faster:
places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.
I lost my mother's watch. And look! my last,
or next-to-last, of three loved houses went.
The art of losing isn't hard to master.
I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn't a disaster.
Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan't have lied. It's evident
the art of losing's not too hard to master
though it may look like (Write it!) like disaster.
ONE ART. In: REVISTA MODO DE USAR. Disponível em:< http://revistamododeusar.blogspot.com.br/2013/02/elizabeth-bishop-1911-1979.html>. Acesso em: 25. Dez. 2015.
CADELA ROSADA
[Rio de Janeiro]
Sol forte, céu azul. O Rio sua.
Praia apinhada de barracas. Nua,
passo apressado, você cruza a rua.
Nunca vi um cão tão nu, tão sem nada,
sem pêlo, pele tão avermelhada...
Quem a vê até troca de calçada.
Têm medo da raiva. Mas isso não
é hidrofobia — é sarna. O olhar é são
e esperto. E os seus filhotes, onde estão?
(Tetas cheias de leite.) Em que favela
você os escondeu, em que ruela,
pra viver sua vida de cadela?
Você não sabia? Deu no jornal:
pra resolver o problema social,
estão jogando os mendigos num canal.
E não são só pedintes os lançados
no rio da Guarda: idiotas, aleijados,
vagabundos, alcoólatras, drogados.
Se fazem isso com gente, os estúpidos,
com pernetas ou bípedes, sem escrúpulos,
o que não fariam com um quadrúpede?
A piada mais contada hoje em dia
é que os mendigos, em vez de comida,
andam comprando bóias salva-vidas.
Você, no estado em que está, com esses peitos,
jogada no rio, afundava feito
parafuso. Falando sério, o jeito
mesmo é vestir alguma fantasia.
Não dá pra você ficar por aí à
toa com essa cara. Você devia
pôr uma máscara qualquer. Que tal?
Até a quarta-feira, é Carnaval!
Dance um samba! Abaixo o baixo-astral!
Dizem que o Carnaval está acabando,
culpa do rádio, dos americanos...
Dizem a mesma bobagem todo ano.
O Carnaval está cada vez melhor!
Agora, um cão pelado é mesmo um horror...
Vamos, se fantasie! A-lá-lá-ô...!
1979
Tradução de Paulo Henriques Britto. In: Poesia.net. Disponível em:< http://www.algumapoesia.com.br/poesia/poesianet039.htm>. Acesso em: 25. Dez. 2014.
PINK DOG
[Rio de Janeiro]
The sun is blazing and the sky is blue.
Umbrellas clothe the beach in every hue.
Naked, you trot across the avenue.
Oh, never have I seen a dog so bare!
Naked and pink, without a single hair...
Startled, the passersby draw back and stare.
Of course they're mortally afraid of rabies.
You are not mad; you have a case of scabies
but look intelligent. Where are your babies?
(A nursing mother, by those hanging teats.)
In what slum have you hidden them, poor bitch,
while you go begging, living by your wits?
Didn't you know? It's been in all the papers,
to solve this problem, how they deal with beggars?
They take and throw them in the tidal rivers.
Yes, idiots, paralytics, parasites
go bobbing int the ebbing sewage, nights
out in the suburbs, where there are no lights.
If they do this to anyone who begs,
drugged, drunk, or sober, with or without legs,
what would they do to sick, four-legged dogs?
In the cafés and on the sidewalk corners
the joke is going round that all the beggars
who can afford them now wear life preservers.
In your condition you would not be able
even to float, much less to dog-paddle.
Now look, the practical, the sensible
solution is to wear a fantasía.
Tonight you simply can't afford to be a-
n eyesore... But no one will ever see a
dog in máscara this time of year.
Ash Wednesday'll come but Carnival is here.
What sambas can you dance? What will you wear?
They say that Carnival's degenerating
— radios, Americans, or something,
have ruined it completely. They're just talking.
Carnival is always wonderful!
A depilated dog would not look well.
Dress up! Dress up and dance at Carnival!
1979
PINK DOG. In: Poesia.net. Disponível em:
INSÔNIA
A lua no espelho da cômoda
está a mil milhas, ou mais
(e se olha, talvez com orgulho,
porém não sorri jamais)
muito além do sono, eu diria,
ou então só dorme de dia.
Se o Mundo a abandonasse,
ela o mandava pro inferno,
e num lago ou num espelho
faria seu lar eterno.
— Envolve em gaze e joga
tudo que te faz sofrer no
poço desse mundo inverso
onde o esquerdo é que é o direito,
onde as sombras são os corpos,
e à noite ninguém se deita,
e o céu é raso como o oceano
é profundo, e tu me amas.
Traduzido por Paulo Henriques Britto. In: Antonio Fabiano. Disponível em:< http://antoniofabiano.blogspot.com.br/2014/06/insomnia-by-elizabeth-bishop.html>. Acesso em: 25. Dez. 2014.
INSOMNIA
The moon in the bureau mirror
looks out a million miles
(and perhaps with pride, at herself,
but she never, never smiles)
far and away beyond sleep, or
perhaps she's a daytime sleeper.
By the Universe deserted,
she'd tell it to go to hell,
and she'd find a body of water,
or a mirror, on which to dwell.
So wrap up care in a cobweb
and drop it down the well
into that world inverted
where left is always right,
where the shadows are really the body,
where we stay awake all night,
where the heavens are shallow as the sea
is now deep, and you love me.
INSOMNIA. In: Antonio Fabiano. Disponível em:
O ICEBERG IMAGINÁRIO
Preferimos o iceberg ao navio,
embora isto significasse o fim da viagem.
Embora ele estivesse melancólico, como pedra de nuvem
e todo o mar em volta fosse moção de mármore.
Preferimos o iceberg ao navio;
preferimos esta planície de neve que respira,
embora as velas do navio jazessem no mar
como segue no mar sem dissolver-se a neve.
Campo flutuante, solene, perceberás
que contigo um iceberg repousa,
que a seu despertar pastará as tuas neves?
Por esta cena um marinheiro daria os olhos.
O navio é ignorado. O iceberg sobe
e afunda de novo; seus pináculos de vidro
corrigem elípticas no céu.
Quem dissimular ante esta cena parecerá
artificialmente retórico. A cortina é o suficiente leve
para levantar-se a partir dos fios invisíveis
que as volutas de neve inventam.
As centelhas destas arestas brancas
competem com as do sol. O iceberg invade
com seu peso um cenário cambiante, e para, e observa.
Este iceberg lapida-se de dentro as faces.
Como jóias deixadas num sarcófago
preserva-se perpetuamente e só a si
enfeita; talvez também o faça a neve
que tanto nos surpreendeu à flor d’água, inteira.
Adeus, dizemos, adeus, o navio se afasta
até onde as ondas a outras ondas cedem passo
e as nuvens correm por um céu mais cálido.
Os icebergs pedem à alma
(ambos se autoproduzem com elementos pouco visíveis)
vê-los assim: corpóreos, puros, eretos, indivisíveis.
Traduzido por Horácio Costa. In: Mundo de K. Disponível em: < http://mundodek.blogspot.com.br/2011/02/elizabeth-bishop-o-iceberg-imaginario.html>. Acesso em: 25. Dez. 2014.
THE IMAGINARY ICEBERG
We'd rather have the iceberg than the ship,
although it meant the end of travel.
Although it stood stock-still like cloudy rock
and all the sea were moving marble.
We'd rather have the iceberg than the ship;
we'd rather own this breathing plain of snow
though the ship's sails were laid upon the sea
as the snow lies undissolved upon the water.
O solemn, floating field,
are you aware an iceberg takes repose
with you, and when it wakes may pasture on your snows?
This is a scene a sailor'd give his eyes for.
The ship's ignored. The iceberg rises
and sinks again; its glassy pinnacles
correct elliptics in the sky.
This is a scene where he who treads the boards
is artlessly rhetorical. The curtain
is light enough to rise on finest ropes
that airy twists of snow provide.
The wits of these white peaks
spar with the sun. Its weight the iceberg dares
upon a shifting stage and stands and stares.
The iceberg cuts its facets from within.
Like jewelry from a grave
it saves itself perpetually and adorns
only itself, perhaps the snows
which so surprise us lying on the sea.
Good-bye, we say, good-bye, the ship steers off
where waves give in to one another's waves
and clouds run in a warmer sky.
Icebergs behoove the soul
(both being self-made from elements least visible)
to see them so: fleshed, fair, erected indivisible.
THE IMAGINARY ICEBERG. In: Mundo de K. Disponível em:< http://mundodek.blogspot.com.br/2011/02/elizabeth-bishop-o-iceberg-imaginario.html#.VJ2xiP8AAA>. Acesso em: 25. Dez. 2014.
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