Chamado de Pai do Modernismo, Ezra Pound foi o último remanescente de um grupo de revolucionários que mudou, através do espírito irrequieto dos jovens expatriados come from America (vindos da América), o curso da literatura de língua inglesa no século XX.
Decidido desde a juventude que saberia mais de poesia do que qualquer homem vivo, Ezra Pound ligou-se à criação de movimentos que reestruturaram o panorama artístico anglo-americano do período anterior e posterior aos dois conflitos bélicos mundiais e, maldito por uns, louvado por uma legião de fiéis discípulos, tornou-se o poet’s poet (o poeta do poeta) que, ao longo de sessenta anos de atividade literária, deixou de sua própria autoria setenta volumes que compreendem poesia, crítica literária, ensaios e traduções. Contribuiu ainda diretamente em cerca de outras setenta publicações, além de ter escrito mais de 1.500 artigos que versam, inclusive, sobre teoria política e econômica.
Pound fez sua influência presente em tantos autores contemporâneos que seria impossível citar todos os nomes. Frost, T.S. Eliot, D.H. Lawrence, Yeats e Joyce forma concordes em lhe recolher o débito. O autor de Os Cantos sobreviveu àqueles a quem influenciou, quer diretamente ou indiretamente, e até a sua morte, aos 87 anos em Veneza, parecia que uma brilhante época literária não tinha realmente chegado ao fim.
Filho único de um funcionário do Federal Land Office (Escritório Federal da Terra), Homer Loomis Pound, natural de Wisconsin, e da nova iorquina Isabel Weston, Ezra Loomis Pound nasceu aos 30 de outubro de 1885 na pequena cidade mineira de Hailey, Idaho. Por volta de 1887, a família Pound muda-se para o leste americano e, depois de uma nomeação de Homer Pound para outro departamento estatal na Filadélfia, instala-se em junho de 1889 próximo a Wyncote. O pequeno Ezra leva, então, uma vida normal de menino classe média e, em 1898, vai à Europa como acompanhante de uma tia-avó.
Pound frequenta a Academia Militar de Cheltenham, mas a abandona antes de graduar-se e ingressa numa escola secundária local. Desta escola vai para a Universidade da Pennsylvania onde permanece por dois anos (1901-1903). Nova viagem à Europa, em 1902, agora com os pais. Na Universidade conhece dois jovens poetas, William Carlos Williams e Hilda Doolittle, que serão mais tarde, além de Amy Lowell, os pilares do imagismo. Williams será um amigo de cuja amizade Pound há de privar por toda a vida e Doolittle juntar-se-á a ele anos depois na Europa, onde a mesma fixará domicílio em 1911. É ainda na Pennsylvania que Pound entra em contato com a grande literatura clássica europeia. Em 1905 recebe do Hamilton College, Clinton, Nova York, o bacharelado (Ph.B.) e volta para a Universidade da Pennsylvania para os estudos de pós-graduação. Em 1906 conclui o mestrado e recebe o M.A. No verão deste mesmo ano, vai ao Velho Mundo outra vez e colhe material para seus três primeiros artigos, todos publicados pela Book News Monthly, Filadélfia: Raphaelite Latin, acerca dos poetas latinos da Renascença; Interesting French Publications, onde trata dos trovadores (edição de setembro de 1906); e Burgos, a Dream City of Old Castile (edição de outubro). No intuito de prosseguir os estudos visando o doutorado, Pound permanece por mais um ano na universidade, porém desiste em seguida e abandona a instituição levando consigo uma especialização em filologia românica e um profundo conhecimento de latim, grego, italiano, alemão, espanhol, provençal, anglo-saxão, francês, assim como de gramática e literatura inglesa.
Como profissional Pound vive uma efêmera carreira acadêmica de apenas quatro meses. Contratado pelo Wabash Presbyterian College, Crawfordsville, Indiana, no outubro de 1907, é, no entanto, demitido quando flagrado com uma mulher numa das dependências destinadas aos professores da instituição. O comportamento geral do poeta reflete completamente uma educação presbiteriana, ao passo que a poesia já o arrasta para uma existência boêmia, conturbada, mas indiscutivelmente produtiva.
Em fevereiro de 1908, Pound parte para a Europa como empregado braçal no convés de um barco de gado. Leva consigo uma bagagem mínima e o manuscrito de um livro de poemas, o qual for recusado por, pelo menos, um editor norte-americano.
Novamente na Europa, porém com pouco dinheiro, Pound ruma para Gibraltar e sul da Espanha e, em seguida, vai para Veneza, onde revisa e publica, às próprias expensas, o manuscrito que trouxera da América: A Lume Spento (1908). Por volta de 1908 segue rumo a Londres. Nesta cidade é auxiliado por Ford Madox Ford, que publica o trabalho de Pound na English Review. De 1908 a 1920, os anos de Londres, a máxima Make It New! (Faça-o Novo!) torna-se o grito de concentração do modernismo e sendo a capital britânica o centro da atividade literária, Pound se torna também, aos poucos, o centro do centro – descobrindo, ensinando, promovendo e servindo como incansável agente a qualquer novo talento que lhe surja pela frente.
Pound passa a frequentar o círculo de amigos do famoso poeta William Butler Yeats – mais tarde Pound o persuadirá a adotar um estilo literário – e através dos movimentos modernistas que se espalham, trata de ressuscitar a arte morta da poesia ao lado do filósofo T.E. Hulme. Integra a escola das imagens, que será a base para o Imagismo – a composição de versos livres e curtos que representam uma única imagem. Com Wyndham Lewis promove o vorticismo, a versão literária do cubismo, que defende a poesia de vigoroso impacto com uma simples imagem no seu vórtex.
A Inglaterra dá a Pound um sucesso repentino e o poeta traduz incessantemente. Publica Personae, abril de 1909, sua mais importante coleção de poemas, segundo alguns críticos. Segue-se Exultations, outubro do mesmo ano. The Spirit of Romance, baseado em conferências proferidas em Londres de 1909-10, vem ao lume em 1910.
Esperançoso de conseguir sucesso em seu próprio país, talvez em Nova York ou Filadélfia, Pound volta aos EUA, todavia sua tentativa, desesperada e mal sucedida, fá-lo regressar decepcionado à Europa em fevereiro de 1911. Visita, então, a Itália, França e Alemanha. Conhece Alfred R. Orage, editor do semanário socialista New Age (Nova Época), por fins de 1911. O jornalista inglês dá a Pound liberdade de utilizar as páginas do semanário e ainda proporciona-lhe, durante os nove anos seguintes, uma pequena, mas regular renda.
Como correspondente estrangeiro da Poetry: A Magazine of Verse (Poética: Uma Revista de Verso) de Miss Harriet Monroe (1912-1919), de Chicago, Pound descobre novos autores e novas tendências. Apresenta ao público americano poetas como Eliot e Frost, aos quais assiste, revisa e publica; e faz mais que realçar a importância da Poetry, pois através dela e de outras pequenas revistas divulga princípios de reforma e torna-se figura dominante na poesia anglo-americana. É ainda um dos primeiros a difundir o trabalho de D.H Lawrence e a elogiar a escultura de Jacob Epstein e Henri Gaudier-Brzeska, ambos modernistas. De 1912-14, Pound assume a liderança do movimento imagista, sucessor da escola das imagens e redige então o primeiro manifesto dessa corrente – com ênfase na linguagem esparsa, direta e imagens precisas da poesia. Des imagistes, a primeira antologia do movimento, é publicada em 1914. Pound coopera com o desconhecido irlandês James Joyce e, ainda em 1914, casa-se com Dorothy Shakespear, filha de Olívia Shakespear, uma amiga do poeta Yeats. Através de The Egoist (O Egoísta), de Londres, e depois de The Little Review (A Pequena Revista), de Nova York, assiste a publicação de Retrato do Artista Quando Jovem e Ulisses e difunde o nome de Joyce, fato que assegura ao jovem escritor certo apoio financeiro. Também nessa época Eliot recebe igual assistência da parte do poeta de Mauberley.
Em meio ao trabalho de divulgação e formação de uma literatura moderna, Pound continua a compor uma poesia que é essencialmente fruto de sua cultura universal e que apresenta um excelente manejo linguístico. Publica Ripostes (1912), Lustra (1916) e a prosa crítica Pavannes and Divisions (1918). Na esteira do espólio do grande orientalista Ernest Fenollosa, do qual Pound toma conhecimento em 1913, lança versões inglesas, altamente aclamadas, da poesia primitiva chinesa, Cathay (1915), e também dois volumes do drama japonês Noh (1916-17), dando assim espaço às técnicas orientais que se tornam uma voga modernista.
A ruína aliada à carnificina, ambas provocadas pela Primeira Grande Guerra, abalam Pound. O poeta sente que, depois do conflito, um espírito de desesperança paira sobre a Inglaterra e decide então mudar-se para a Cidade Luz, Paris. Anterior a partida, Pound publica Quia Pauper Amavi (1919) e Hugh Selwyn Mauberley (1920), importantes trabalhos que expressam a desconfiança do autor diante do capitalismo e da civilização que o reflete. Quia Pauper Amavi contém Homage to Sextus Propertius, um comentário sobre o Império Britânico de 1917 à maneira do Propertius e do Império Romano. Hugh Selwyn Mauberley, considerado como uma sátira das forças materialistas envolvidas no conflito mundial, é um retrato esplendidamente bem feito do aspecto da cultura britânica de 1919, fato que o eleva a um dos poemas mais admirados do século XX.
Permanecendo na capital francesa por quatro anos (1920-1924), o Pai do Modernismo, agora uma força menor mas ainda potente, move-se entre os expatriados britânicos e americanos da Lost Generation (Geração Perdida) da mesma maneira, ou seja, atuante, direcionador e sempre solicito às novas manifestações artísticas. É nesse período também que Pound assiste T.S. Eliot na publicação de The Waste Land (A Terra Devastada) e a gratidão do futuro Nobel de Literatura (1948) expressar-se-á numa dedicatória extraída da A Divina Comédia, de Dante. Um jovem escritor americano, Ernest Hemingway, é ainda um dos outros tantos que recebem em Paris a ajuda e a assistência de Pound. Baseando-se na poesia de François Villon, Pound escreve a ópera Le Testament, que será exibida em Paris em 1926 e trabalha como correspondente do Dial, jornal literário de Nova York, o qual o contemplará, em 1927, com um prêmio de dois mil dólares por distintos serviços à literatura americana.
Pound deixa Paris em 1924 e a Itália, precisamente Rapallo, será o lar do poeta pelos trinta anos seguintes. Em 1925 Pound tem com Olga Rudge, uma violinista americana expatriada, uma filha, Maria, que será criada por uma camponesa no Tirol italiano. Em 1926, Dorothy dá a luz a Omar, segundo filho do poeta – a exemplo de Maria, o menino será criado por parentes na Inglaterra. De 1927-1928, Pound edita Exile, sua própria revista. Em 1930 publica A Draft of XXX Cantos (Rascunho de XXX Cantos), seções várias dos longos e ambiciosos poemas The Cantos (Os Cantos), iniciados em 1915. Ao contrário da Divina Comédia, The Cantos representarão a comédia humana, não divina, ao tratar da ruína das civilizações motivada pela infidelidade do gênero humano em três épocas distintas: a Antiguidade, a Renascença e a Idade Moderna. Novos volumes de The Cantos surgem nos anos 30 – Eleven New Cantos (Onze Novos Cantos), 1934; The Fifth Decad of Cantos (A Quinta Década dos Cantos), 1937; Cantos LII-LXXL, 1940. O interesse de Pound pela arte não se restringe apenas à literatura. De fato, atraído pela música, promove uma longe série de concertos em Rapallo, ainda durante a década de trinta e, assistido por Olga Rudge, redescobre Antonio Vivaldi, famoso compositor italiano do século XVII. A contínua investigação de Pound no campo da cultura em geral e da história produzirá uma prosa fragmentária, mas sobretudo brilhante: Guide to Kulchur (Guia para a Cultura)(1938).
Em 1918 Pound conhecera, em Londres, C.H. Douglas, fundador do Crédito Social – teoria econômica segundo a qual a má distribuição de riquezas, devido ao insuficiente poder aquisitivo, é a causa das depressões econômicas – e anos depois, largamente influenciado pelas ideias de Douglas, é levado a repensar a história, haja vista a crise econômico-financeira mundial no período que precede à Segunda Guerra Mundial. Pound acredita que a confusão de moedas e operações bancárias por parte dos governos e do público, bem como a manipulação do câmbio por banqueiros internacionais, levou o mundo à uma longa série de guerras. Em trabalhos como ABC of Economics (ABC da Economia), 1933; Social Credit (Crédito Social), 1935; What Is Money For? (Para que Serve o Dinheiro?), 1939, vê-se não o poeta, mas um pensador altamente obcecado pela reforma monetária e pela teoria econômica, o qual não mede esforços em criticar violentamente o capitalismo americano, os judeus e a usura. Com a ascensão do fascismo, Pound, agora envolvido na política, declara sua admiração por Mussolini e continua a expressar suas ideias político-econômicas em trabalhos de prosa como Jefferson e/ou Mussolini (1935) e, obviamente, estes sob a obsessão do poeta, mostraram-se desde o princípio uma evidência de se tornarem uma série incontrolável de episódios histórico-pessoais.
Enquanto a Europa mergulha na II Guerra Mundial, Pound retorna à América em 1939, na esperança de manter a paz entre os Estados Unidos e a Itália, mas o muito que consegue é um título honorífico de Hamilton College, Desapontado volta à Itália e torna-se rádio difusor da propaganda pró-fascista para a Inglaterra e EUA no período entre 1941 e 1943. O foco das locuções do poeta pela Rádio Roma varia de James Joyce ao controle da moeda pelo governo americano e pelos banqueiros judeus. Pound condena abertamente, e com frequência, os esforços de guerra do governo de seu país.
Terminado o conflito bélico em 1945, Pound acusado de traição, é preso e permanece por seis meses num campo de concentração para prisioneiros de guerra, próximo à Pisa. Apesar das duras condições do cárcere, Pound traduz Confúcio para o inglês (The Great Digest & amp; Unwobbling Pivot, 1951) em escreve The Pisan Cantos (Os Cantos de Pisa)(1948), a seção mais tocante dos longos, mas ainda em andamento, poemas épicos.
Conduzido à América para ser julgado por traição é, contudo, declarado insano, após exames psiquiátricos, e confinado ao St. Elizabeths Hospital, Washington, Distrito de Columbia, por um período que se estende de 1946 a 1958. Pound recebe regularmente a visita de muitos admiradores e mantém então uma vasta correspondência com várias partes do mundo. Escreve ainda novas seções de The Cantos (Rock Drill, 1955; Thrones, 1959), traduz poesia chinesa (The Classic Anthology, 1954) e Sófocles (Trachnai, Women of Trachis, 1956).
Um grupo de distintos jurados outorga aos Pisan Cantos o Prêmio Bollingen, em 1949. Partindo do pressuposto de que um traidor deve ser punido e não laureado, a concessão de tal prêmio divide o mundo literário e intelectual de então. O poeta, no entanto, permanece no manicômio, mas em 18 de abril de 1958, e graças à intervenção de Hemingway, Eliot, Frost e outros mais, é declarado incapaz de submeter-se a julgamento, sendo retiradas as acusações que pesavam sobre ele. Autorizado a deixar o St. Elizabeths, Pound volta à Itália e desde então passa a viver entre Rapallo e Veneza. The Cantos, agora cima de uma centena, são concluídos em 1960 e o poeta silencia.
Embora a controvérsia iniciada com os Pisan Cantos tenha continuado e incitar partidários e contribuições às realizações de Pound, sua importância durante a segunda e a terceira décadas deste século é inquestionável. Toda a sua obra poética apresenta uma diversidade de formas onde se incluem peças imagistas, vorticistas, prosa e poemas diversos sutilmente trabalhados, além de traduções e adaptações do chinês, italiano, provençal, latim, francês e do anglo-saxão. As técnicas inovadoras empregadas pelo poeta em The Cantos, às vezes, tornam-no falho, todavia passagens individuais o salvam pela beleza poética e brilhante domínio linguístico. É também na crítica literária que Pound projeta-se e cria conceitos que norteiam muitos estudiosos de literatura, como se pode ler na seguinte análise extraída de How to Read (Como Ler) (1931): Literatura é a linguagem carregada de significado. Grande literatura é simplesmente a linguagem carregada de significado até o máximo grau possível.
Pound admitiu, no fim da vida, seu fracasso com teórico social e poeta, mas seu papel de renovador, além de líder desgarrado da poética de um tempo perdido, fê-lo ocupar uma posição de destaque entre poetas contemporâneos e de outras épocas, igualmente revolucionários e inovadores. A verdade é que poucas figuras do mundo das letras provocaram tanto ódio quanto ele provocou, poucas ainda trabalharam tão prodigiosamente pela poesia e despertaram tamanha admiração e reconhecimento.
Ezra Loomis Pound faleceu em Veneza no dia 1° de novembro de 1972.
A obra poética de Pound compreende os seguintes títulos: A Draft of Cantos XXXI-XLI (1934), A Draft of XXX Cantos (1930), A Lume Spento (1908), Cantos I-XVI (1925), Cantos LII-LXXI (1940), Cantos XVII-XXVII (1928), Canzoni (1911), Exultations (1909), Homage to Sextus Propertius (1934), Lustra and Other Poems (1917), Patria Mia (1950), Personae (1909), Provenca (1910), Quia Pauper Amavi (1919), The Cantos (1972), The Fifth Decade of Cantos (1937), The Pisan Cantos (1948), Umbra: Collected Poems (1920). Por sua vez, escreveu as seguintes obras em prosa: ABC of Economics (1933), Antheil and the Treatise on Harmony (1924), Digest of the Analects (1937), Gaudier Brzeska (1916), Guide to Kulchur (1938), How To Read (1931), Imaginary Letters (1930), Indiscretions (1923), Instigations (1920), Jefferson and/or Mussolini (1935), Literary Essays (1954), Make It New (1934), Pavannes and Divisions (1918); Polite Essays (1936), Prolegomena: Volume I (1932), Selected Prose: 1909-1965 (1973), Social Credit and Impact (1935), The ABC of Reading (1934), The Spirit of Romance (1953), What is Money For? (1939).
Pound também participou de inúmeras antologias, sendo as principais dentre elas: Cathay (1915), The Classic Anthology Defined (1954), The Great Digest, and the Unwobbling Point (1951), The Translations of Ezra Pound (1953).
Perfil biográfico elaborado por Dalcin Lima.
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