PREFÁCIO PARA UM BILHETE SUICIDA DE VINTE VOLUMES
Ultimamente, tenho me acostumado ao jeito
Com que o chão se abre e me engole
Cada vez que saio para passear com o cão.
Ou a singela música cortante que o vento faz
quando corro para alcançar o ônibus...
As coisas chegaram a esse ponto.
E agora, a cada noite conto as estrelas.
E a cada noite obtenho o mesmo número.
E quando elas não se mostram para serem contadas,
Conto os buracos que deixam.
Ninguém canta mais.
Então, na noite passada subi na ponta dos pés
Rumo ao quarto da minha filha e a escutei
Conversando com alguém, e quando abri
A porta, não havia ninguém ali...
Apenas ela, ajoelhada, espiando dentro
De suas próprias mãos fechadas.
Tradução de Leonardo Morais. In: Mallarmargens, Revista de Poesia e Arte Contemporânea. Disponível em:< http://www.mallarmargens.com/2014/01/3-poemas-de-amiri-baraka-leroy-jones.html>. Acesso em: 30. Mar. 2018.
PREFACE TO A TWENTY VOLUME SUICIDE NOTE
Lately, I've become accustomed to the way
The ground opens up and envelopes me
Each time I go out to walk the dog.
Or the broad edged silly music the wind
Makes when I run for a bus...
Things have come to that.
And now, each night I count the stars.
And each night I get the same number.
And when they will not come to be counted,
I count the holes they leave.
Nobody sings anymore.
And then last night I tiptoed up
To my daughter's room and heard her
Talking to someone, and when I opened
The door, there was no one there...
Only she on her knees, peeking into
Her own clasped hands
Amiri Baraka, Preface to a Twenty Volume Suicide Note. In: Mallarmargens, Revista de Poesia e Arte Contemporânea. Disponível em:< http://www.mallarmargens.com/2014/01/3-poemas-de-amiri-baraka-leroy-jones.html>. Acesso em: 30. Mar. 2018.
KASBAH
Uma janela fechada baixa o olhar
Até um pátio sujo, e gente negra
Reclama e grita e caminha sempre contra
Desafiando a física com sua vontade.
Nosso mundo está cheio de sons
Nosso mundo é mais encantador que o de qualquer outro
Apesar de sofrermos, de nos matarmos uns aos outros
E às vezes fracassarmos em caminhar no ar.
Somos gente maravilhosa
Com imaginações Africanas
repleta de máscaras e danças e cantos portentosos
com olhos e narizes e braços Africanos
mesmo quando nos aniquilamos em cinzas cadeias
em um lugar cheio de invernos, quando o que desejávamos
era o Sol.
Fomos capturados
e trabalhamos duro para conseguir escapar
até a antiga imagem, até
uma nova correspondência com nós mesmos
e nossa família Negra. Precisamos da magia,
e precisamos dos encantamentos, para surgir,
retornar, destruir e criar. Qual será
a palavra sagrada?
Tradução de Leonardo Morais. In: Mallarmargens, Revista de Poesia e Arte Contemporânea. Disponível em:< http://www.mallarmargens.com/2014/01/3-poemas-de-amiri-baraka-leroy-jones.html>. Acesso em: 30. Mar. 2018.
KA'BA
A closed window looks down
on a dirty courtyard, and Black people
call across or scream across or walk across
defying physics in the stream of their will.
Our world is full of sound
Our world is more lovely than anyone's
tho we suffer, and kill each other
and sometimes fail to walk the air.
We are beautiful people
With African imaginations
full of masks and dances and swelling chants
with African eyes, and noses, and arms
tho we sprawl in gray chains in a place
full of winters, when what we want is sun.
We have been captured,
and we labor to make our getaway, into
the ancient image; into a new
Correspondence with ourselves
and our Black family. We need magic
now we need the spells, to raise up
return, destroy,and create. What will be
the sacred word?
Amiri Baraka, Ka'Ba. In: Mallarmargens, Revista de Poesia e Arte Contemporânea. Disponível em:< http://www.mallarmargens.com/2014/01/3-poemas-de-amiri-baraka-leroy-jones.html>. Acesso em: 30. Mar. 2018.
POEMA QUE ALGUNS TERÃO QUE ENTENDER
Sujas e opacas janelas dos olhos
e edifícios de esforço. Que
esforço faço eu? Um menino
preto e esperto, a 3 quilômetros da sua
casa. Não faço nenhum esforço.
Já não sou motivo de orgulho
pra minha raça. Leio um pouco,
trabalho contra o silêncio lentas tardes
de primavera.
Pensei, antes, alguns anos atrás
que chegaria ao fim da minha vida.
Ego de aquarela. Sem a exatidão
que um homem violento poderia oferecer.
Mas a sorte, e as sortes,
Não nos abandonarão. Toda a fantasia
e justiça, e invernos de carvão seco
Todos os cidadãos lamentavelmente inteligentes
Que me forcei a amar.
Esperávamos a vinda de um fenômeno
natural. Místicos e românticos, versados
trabalhadores
da terra.
Mas nenhum veio.
(Repita)
mas nenhum veio.
Metralhadores, por favor, podem dar um passo à frente?
Tradução de Luci Collin. In: UFSC qorpus. Disponível em: < http://qorpus.paginas.ufsc.br/teatro-na-praia/edicao-n-016/3554-2/>. Acesso: 30.Mar. 2018.
A POEM SOME PEOPLE WILL HAVE TO UNDERSTAND
Dull unwashed windows of eyes
and buildings of industry. What
industry do I practice? A slick
colored boy, 12 miles from his
home. I practice no industry.
I am no longer a credit
to my race. I read a little,
scratch against silence slow spring
afternoons.
I thought, before, some years ago
that I’d come to the end of my life.
Watercolor ego. Without the preciseness
a violent man could propose.
But the wheel, and the wheels,
won’t let us alone. All the fantasy
and justice, and dry charcoal winters
All the pitifully intelligent citizens
I’ve forced myself to love.
We have awaited the coming of a natural
phenomenon. Mystics and romantics, knowledgeable
workers
of the land.
But none has come.
(Repeat)
but none has come.
Will the machinegunners please step forward?
Amiri Baraka. A Poem Some People Will Have to Understand. In: UFSC qorpus. Disponível em: < http://qorpus.paginas.ufsc.br/teatro-na-praia/edicao-n-016/3554-2/>. Acesso: 30.Mar. 2018.
SEGUNDA EM SI BEMOL
Posso rezar
o dia inteiro
& Deus
nem aí, ó.
Mas se eu ligo
190
O Diabo
aparece logo
vejam só!
Tradução de Leonardo Morais. In: Mallarmargens, Revista de Poesia e Arte Contemporânea. Disponível em:< http://www.mallarmargens.com/2014/01/3-poemas-de-amiri-baraka-leroy-jones.html>. Acesso em: 30. Mar. 2018.
MONDAY IN B-FLAT
I can pray
all day
& God
wont come.
But if I call
911
The Devil
Be here
in a minute!
Amiri Baraka, Monday in B-Flat. In: Mallarmargens, Revista de Poesia e Arte Contemporânea. Disponível em:< http://www.mallarmargens.com/2014/01/3-poemas-de-amiri-baraka-leroy-jones.html>. Acesso em: 30. Mar. 2018.
INCIDENTE
Ele voltou e atirou. Atirou nele. Quando
voltou, ele disparou, e ele caiu, cambaleando, no negror
da mata, caído, furado, morrendo, morto, até a pausa total.
No chão, sangrando, abatido. Ele morreu então, ali
depois da queda, a bala veloz rasgou a cara dele
e o sangue esguichou em cheio no assassino e na luz cinza.
Tem foto do morto em tudo que é canto. E seu espírito
sorve a luz. Mas ele morreu numa escuridão mais escura que
sua alma e tudo desabou cegamente com ele morrendo
escada abaixo.
Nenhuma notícia se tem
sobre o assassino, exceto que voltou, de algum lugar
pra fazer o que fez. E deu um único tiro na vítima
atônita, e a deixou depressa quando o sangue verteu. Sabemos
que o assassino foi hábil, ligeiro e discreto e que a vítima,
é provável, o conhecia. Fora isso, tirando o amargor concreto
da expressão do morto e a fria surpresa na rigidez
daqueles dedos e mãos, não sabemos mais nada.
Tradução de Luci Collin. In: UFSC qorpus. Disponível em: < http://qorpus.paginas.ufsc.br/teatro-na-praia/edicao-n-016/3554-2/>. Acesso: 30.Mar. 2018.
INCIDENT
He came back and shot. He shot him. When he came
back, he shot, and he fell, stumbling, past the
shadow wood, down, shot, dying, dead, to full halt.
At the bottom, bleeding, shot dead. He died then, there
after the fall, the speeding bullet, tore his face
and blood sprayed fine over the killer and the grey light.
Pictures of the dead man, are everywhere. And his spirit
sucks up the light. But he died in darkness darker than
his soul and everything tumbled blindly with him dying
down the stairs.
We have no word
on the killer, except he came back, from somewhere
to do what he did. And shot only once into his victim's
stare, and left him quickly when the blood ran out. We know
the killer was skillful, quick, and silent, and that the victim
probably knew him. Other than that, aside from the caked sourness
of the dead man's expression, and the cool surprise in the fixture
of his hands and fingers, we know nothing.
Amiri Baraka, Incident. In: Poetry Foundation. Disponível em: < https://www.poetryfoundation.org/poems/42558/incident-56d2212863009>. Acesso: 30.Mar. 2018.
NOTAS PARA UM DISCURSO
O blues africano
não me conhece. Seus passos, em areias
de seu próprio
solo. Um país
em preto & branco, jornais
lançados nas calçadas
do mundo. Não
sentem
o que eu sou.
Resistência
no sonho, um oblíquo
sugar do vigor, o vento
levanta areia, os olhos
estão algo fechados no
ódio, do ódio, do ódio, para
perambularem, eles conduzem
suas mortes em separado
da minha. Aquelas
cabeças, que chamo de
meu “povo”.
(E quem são. Povo. Pra interessar
a mim, homem feio. Quem é
você, para se preocupar com
os estômagos lisos e vazios
das donzelas, morrendo
dentro das casas. Negras. Luar despido
sobre os movimentos
dos meus dedos por baixo
das roupas dela. Cadê
seu marido. Negras
palavras jogam areia
nos olhos, dedos de
seus mortos particulares. Cujas
almas, olhos, na areia. Minha cor
não é a deles. Mais clara, papo de
branco. Eles recuam assustados. Minhas próprias
almas mortas, meu, assim chamado,
povo. A África
é o estrangeiro. Você é
como qualquer outro infeliz aqui
Tradução de Luci Collin. In: UFSC qorpus. Disponível em: < http://qorpus.paginas.ufsc.br/teatro-na-praia/edicao-n-016/3554-2/>. Acesso: 30.Mar. 2018.
NOTES FOR A SPEECH
African blues
does not know me. Their steps, in sands
of their own
land. A country
in black & white, newspapers
blown down pavements
of the world. Does
not feel
what I am.
Strength
in the dream, an oblique
suckling of nerve, the wind
throws up sand, eyes
are something locked in
hate, of hate, of hate, to
walk abroad, they conduct
their deaths apart
from my own. Those
heads, I call
my “people.”
(And who are they. People. To concern
myself, ugly man. Who
you, to concern
the white flat stomachs
of maidens, inside houses
dying. Black. Peeled moon
light on my fingers
move under
her clothes. Where
is her husband. Black
words throw up sand
to eyes, fingers of
their private dead. Whose
soul, eyes, in sand. My color
is not theirs. Lighter, white man
talk. They shy away. My own
dead souls, my, so called
people. Africa
is a foreign place. You are
as any other sad man here
american.
Amiri Baraka, Notes for a Speech. In: UFSC qorpus. Disponível em: < http://qorpus.paginas.ufsc.br/teatro-na-praia/edicao-n-016/3554-2/>. Acesso: 30.Mar. 2018.
LEROY
Queria ter visto minha mãe sentada
o olhar triste pelo campo nos idos dos anos 20
a sondar o futuro da alma, havia anjos negros
cantando sobre sua cabeça, trazendo vida dos nossos ancestrais,
e conhecimento, e o forte sentimento negro. Sentada
(naquela foto do anuário que mostrei a Vashti) ela penetrou
em novos blues, vindos dos antigos, passos e paixões que ela mesma
fez recair sobre si. Me hipnotizando, desde muito
tempo, daquele conhecimento superior transmitido a ela transmitido a
mim e a todos os outros negros da nossa época.
Quando eu morrer, a consciência que carrego legarei
às pessoas negras. Que elas possam me repartir em pedaços e levar as
partes úteis, os caramelos dos meus sentimentos. E deixar
a asneira amarga e podre das partes brancas
de lado.
Tradução de Luci Collin. In: UFSC qorpus. Disponível em: < http://qorpus.paginas.ufsc.br/teatro-na-praia/edicao-n-016/3554-2/>. Acesso: 30. Mar. 2018.
LEROY
I wanted to know my mother when she sat
looking sad across the campus in the late 20’s
into the future of the soul, there were black angels
straining above her head, carrying life from our ancesters,
and knowledge, and the strong nigger feeling. She sat
(in that photo in the yearbook I showed Vashti) getting into
new blues, from the old ones, the trips and passions
showered on her by her own. Hypnotizing me, from so far
ago, from that vantage of knowledge passed on to her passed on
to me and all the other black people of our time.
When I die, the consciousness I carry I will to
black people. May they pick me apart and take the
useful parts, the sweet meat of my feelings. And leave
the bitter bullshit rotten white parts
alone.
Amiri Baraka, leroy. In: UFSC qorpus. Disponível em: < http://qorpus.paginas.ufsc.br/teatro-na-praia/edicao-n-016/3554-2/>. Acesso: 30. Mar. 2018.
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