Em “Ísis americana: a vida e a arte de Sylvia Plath”, o jornalista Carl Rollyson declara que Sylvia Plath era uma megalomaníaca, dona de um “acachapante desejo de ser o foco da atenção”, e um “farol para a consciência moderna de uma geração”. Afirma ainda que “Sylvia Plath é a Marilyn Monroe da literatura moderna”. Plath e Monroe eram idênticas no desejo de conquistar o mundo.
Na madrugada do dia 11 de fevereiro de 1963, uma mulher entrou no quarto de seus filhos, ambos adormecidos, beijou-os, depositou vasilhas de leite ao pé dos berços, depois saiu para a cozinha. Lá vedou todas as entradas de ar e trancou a porta. Ligou o gás, fez um travesseiro com uma toalha, deitou-se e deixou-se levar pelas mãos de uma morte que o gás aos poucos lhe trazia. Esta preparação meticulosa para um suicídio talvez fosse vista hoje como uma mera auto-punição a que todo suicida se submete, não fosse aquela mulher Sylvia Plath, a maior voz feminina da poesia norte-americana de então.
A poeta Sylvia Plath, aquela para quem a poesia era uma disciplina tirânica, foi uma mulher que sempre se impôs limites máximos, quer na vida familiar, profissional e afetiva, quer na sua própria poesia. A vida normal a apavorava, por isso não reconhecia o meio-termo. Para ela era o sucesso total ou o mais completo fracasso.
Devido a um estado de espírito que alternava momentos de euforia com momentos de profunda depressão – especialmente quando se sentia rejeitada ou traída –, Sylvia foi uma poeta que conseguiu escrever versos repletos de imagens tão atormentadas quanto belas, que culminam amiúde em encantamento. Sua poesia é o próprio delírio lapidado que advém do fato de ela, a poeta não se ter limitado a usar material autobiográfico em estado bruto. Penso que minha poesia seja fruto da experiência de meus sentidos e da minha emoção ..., disse, certa vez, Sylvia, numa entrevista. Na verdade, escrever para ela era juntar seus lados antagônicos numa harmonia conseguida graças ao quase religioso ato de compor seus poemas.
Sylvia Plath nasceu no dia 27 de outubro de 1932, em Boston, Massachusetts. Era a filha mais velha de um casal de filhos de Otto Plath, renomado entomologista de origem polonesa, autor de um célebre tratado sobre abelhas (Bumblebees and Their Ways) e de Aurelia Schober, professora de alemão, filha de imigrantes austríacos. O nome Sylvia foi escolhido pelos pais pela sua associação com a erva salvia e o adjetivo poético sylvan. Sylvia e o irmão Warren Joseph, nascido em 25 de abril de 1935, cresceram na cidade litorânea de Winthrop, Massachusetts, freqüentaram escolas locais e aos domingos iam a First Unitarian Society of Wellesley, onde a senhora Plath ensinava na escola dominical.
Desde cedo, Sylvia manifestou uma aguda percepção das coisas e fatos que a rodeavam. Era uma menina brilhante e sua precoce inteligência revelava-se já em 1940, aos oito anos, quando o Boston Sunday Herald publicou Poem, de sua autoria:
Escuto o cricrilar dos grilos
Na grama orvalhada
Pequenos vaga-lumes brilhantes
Passam em cintilada
Em 2 de novembro de 1940, Sylvia perdeu o pai, morto após uma tormentosa infecção no pé que culminou em gangrena e posterior amputação da perna. Mais tarde, Sylvia registraria a morte de Otto Plath no poema Daddy (Papaizinho):
Você me abandonou
não podia ter feito isso.
Papaizinho, eu te odeio.
Para ela, a perda do pai foi uma traição apenas comparada a de seu marido Ted Hughes.
Enquanto frequentava a Gamaliel Senior High School, Sylvia ganhou vários prêmios de redação, submeteu vários contos à revista Seventeen, a qual publicou um deles, And Summer Will Not Come Again, em março de 1950. Em agosto desse mesmo ano, The Christian Science Monitor aceitou e publicou o poema Bitter Strawberries (Morangos Azedos), um sardônico comentário de Sylvia sobre a guerra. Em setembro de 1950, entrou para o Smith College, uma tradicional escola superior feminina, com uma bolsa de estudos patrocinada pela escritora Olive Higgins Prouty.
O conto Sunday at the Mintons deu à Sylvia, em 1951, a vitória no concurso de ficção de Mademoiselle, uma revista de moda de Nova York. Em 1952, Sylvia ganhou o prêmio de poesia do Smith College; foi também escolhida para um estágio como editora convidada de Mademoiselle. Excitada com a vida intelectual de Nova York, a garota de Smith escrevia para a mãe efusivamente, muitas vezes fantasiando o que via na grande cidade. De volta a Wellesley, Sylvia sofreu várias crises depressivas que culminaram em sua primeira tentativa de suicídio, em 24 de agosto de 1953, quando ingeriu todos os comprimidos que usava para dormir. Salva pelo irmão Warren, Sylvia foi internada e por seis meses submeteu-se a um tratamento psiquiátrico que incluia eletrochoques. Mais tarde, ela descreveu a experiência como
“...um tempo de escuridão, desespero, desilusão – tão negro apenas quanto o inferno da mente humana pode ser – morte simbólica e choque entorpecedor, então a dolorosa agonia de uma regeneração psíquica e de um lento renascer.”
Tendo recebido alta, Sylvia voltou aos estudos com a mesma garra de antes. Como bolsista, no verão de 1954, foi a Harvard, onde estudou alemão e freqüentou cursos de escrita criativa com Alfred Kazin ao mesmo tempo que escrevia The Magic Mirror: A Study of the Double in Two Dostoievski’s Novels, uma análise do duplo em Dostoievski, sua tese de graduação. Ainda nessa época deu-se o contato de Sylvia com a poesia de Theodore Roetheke, John Crowe Ransom e Dylan Thomas.
Em junho de 1955, Sylvia graduou-se, summa cum laude, por Smith College e em seguida ganhou uma bolsa de estudos para o mestrado em Newnham College, Cambridge, Inglaterra. Já na Inglaterra, Sylvia mostrou-se uma típica estudante americana, quer no sotaque anasalado, quer no comportamento muitas vezes frívolo. Nesse mesmo período, a garota de Smith conheceu Ted Hughes, jovem poeta inglês, por quem se apaixonou perdidamente e com quem casou no Bloomsday, em 16 de junho de 1956. Depois do casamento, Sylvia passou a trabalhar nos poemas que iriam compor The Colossus and Other Poems.
Findo os estudos em Newnham College, Sylvia e Ted mudaram-se, na primavera de 1957, para os Estados Unidos e foram morar em Cape Cod of Eastham. Nos Estados Unidos, os dois fixaram-se em Northampton, onde Sylvia assumiu a cadeira de inglês no Smith College, enquanto Ted passou a lecionar na Universidade de Massachusetts. Incapaz de conciliar as carreiras de escritora e docente, Sylvia desistiu de Smith antes do fim do período letivo.
Em 1959, Sylvia foi trabalhar no Hospital Geral de Massachusetts e passou a rever sua antiga psiquiatra, a Dra. Ruth Beuscher, enquanto escrevia passagens isoladas do futuro Redoma de Vidro. Nessa época, Ted e Sylvia estavam estabelecidos em Boston e tinham como vizinhos toda uma constelação de poetas e artistas, alguns dos mais renomados da América de então. Ainda em 1959, Sylvia matriculou-se para assistir às aulas de poesia de Robert Lowell, na Universidade de Boston e lá conheceu Anne Sexton e George Starbuck. Os três, agora amigos, passaram a freqüentar The Ritz, após as aulas de Lowell e geralmente tomavam de dois a três martinis cada. Anne e Sylvia discutiam suas primeiras tentativas de suicídio – tema favorito de suas conversas – ao passo que Starbuck apenas as observava. No artigo The Barfly Ought To Sing, Anne descreveu tais momentos cheios de um lirismo muitas vezes inusual, mas característico das duas poetas.
O casal Hughes, em dezembro de 1959, decidiu voltar para a Inglaterra, agora definitivamente. Sylvia estava grávida. Em fevereiro assinou contrato para a publicação de The Colossus and Other Poems, o qual saiu, a tempo, para o aniversário dela. Em 1º de abril de 1960, às 5h45min, nasceu Frieda Rebecca, a primeira filha de Sylvia. Em 1961, os Hughes mudaram-se para o Condado de Devon. Após um aborto, a poeta engravidou novamente e pôs-se a redigir a versão final de The Bell Jar (A Redoma de Vidro).
Em 17 de janeiro de 1962, Sylvia deu à luz a Nicholas Farrar Hughes. Ela, aquela altura, estava dividida entre cuidar da casa, dos filhos e da literatura. Assinou então contrato para a publicação de The Bell Jar, mas estava aflita com repetidas crises de sinusite, seguidas sempre de febres altíssimas. Nessa época registrou-se uma segunda tentativa de suicídio, ou provavelmente uma simulação, pois não se sabe ao certo. Exaurida física e emocionalmente, Sylvia, depois de férias na Irlanda, voltou para Court Green e foi então abandonada por Ted.
Em dezembro, Sylvia decidiu mudar-se com as crianças para Londres e conseguiu trabalho junto a BBC, enquanto Ted assumiu um caso amoroso com Assia Gutman, uma amiga dos dois.
The Bell Jar é publicado em 23 de janeiro de 1963 sob o pseudônimo de Victoria Lucas. O romance é um retrato penoso da tentativa de suicídio de Sylvia e nele se recordam as ambivalências que marcaram a iniciação da poeta pelo glamour e alto estilo profissional da Madison Avenue.
Em princípios de fevereiro, Londres sofreu o mais duro inverno desde 1813-14. A casa em que Sylvia morava era pequena e não tinha calefação própria e os problemas, tanto da separação quanto da sinusite, deixaram-na atormentada. Cuidava das crianças e escrevia os poemas de Ariel, que seria seu segundo volume de poesia. Mantinha correspondência constante com a mãe e as cartas eram sempre otimistas:
Sou uma escritora... Sou um gênio de escritora... Estou escrevendo os melhores poemas de minha vida; eles vão fazer o meu nome.
A alquimia de Sylvia chegava ao máximo e a poeta, apesar da consciência da natureza de sua realização, experimentava novamente uma crise bem maior que aquela de 1953. À medida que, aparentemente, sonhava com o futuro, Sylvia tomava os anti-depressivos que o médico prescrevia, mas tudo em vão... Já incapaz de conciliar seus mundos e de auto-dominar-se, Sylvia partiu naquele fevereiro exatamente como a mulher descrita no poema Edge, para quem seu lado negro avança e draga.
O suicídio de Sylvia Plath e as circunstâncias que o precederam foram exploradas ao máximo pela mídia e pela academia, fabricando-se assim o cânon plathiano, fato que lamentavelmente afastou a poeta do grande público. Todavia hoje, uma releitura de seus trabalhos dá-nos a compreensão de uma obra poética calcada num registro instantâneo e autêntico de toda a sua experiência pessoal. Essa releitura, imparcial e objetiva, afasta a obra de Sylvia, felizmente, daquele rótulo confessional e extremista que, à maneira do existencialismo francês, que no passado fora uma voga rotulante, tanto obscureceu e limitou o entendimento de sua poesia, haja vista a posição independente da própria Sylvia dentro do panorama literário contemporâneo:
Não estou falando sobre poemas épicos. Estou falando sobre o poema curto, não oficial. Como descrevê-lo? Uma porta se abre, uma porta se fecha. Entre os dois momentos, você tem um golpe de olhar: um jardim, uma pessoa, uma tempestade, uma libélula, um coração, uma cidade (...) o poeta se torna um especialista em fazer malas!
A aparição destes rostos na multidão:
Pétalas num negro galho molhado.
Aí está: o começo e o fim, num único fôlego.
Sylvia partiu de uma Londres fria e cinzenta, deixando, como escreveu Raul Arruda Filho, uma obra que é um strip-tease da alma com lamentos em forma de versos.
Sylvia Plath escreveu os seguintes livros de poesia: The Colossus and Other Poems (1960); Ariel (1965); Crossing the Water (1971); Winter Trees (1972); The Collected Poems (1981). Compões ainda, em prosa: The Bell Jar (1963); Letters Home (1975, editadas por sua mãe, Aurelia Schober); Johnny Panic and the Bible of Dreams (1977); The Journals of Sylvia Plath (1982); The Magic Mirror (1989, Plath's Smith College senior thesis); The Unabridged Journals of Sylvia Plath (2000, edited by Karen V. Kukil). Escreveu também literatura infantil: The Bed Book (1976); The It-Doesn't-Matter-Suit (1996); Collected Children's Stories (UK, 2001); Mrs. Cherry's Kitchen (2001).
Texto produzido por Dalcin Lima aos 04 de outubro de 1998, a partir de várias fontes dentre as quais Amarga Fama: Uma Biografia de Sylvia Plath, de Anne Stevenson, e revisado aos 05 de agosto de 2016.
0 comentários:
Postar um comentário