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Alguns Poemas de Lawrence Ferlinghetti


VIDA INFINDA


Infinda a esplêndida vida do mundo
Infindos seus lindos seus vivos seus vívidos
seus lindos seres vivos
ouvindo e vendo pensando e sentindo
dançando e rindo soluçando e ganindo
por tardes infindas infindas noites
de amor e êxtase júbilo e agonia
bebendo e queimando falando e cantando
em infindas Amsterdams da existência
com infindos diálogos animados
sobre infindas xícaras de café
em clubes literários nas manhãs de chuva
Infindos filmes das ruas passando
em carros e trens de desejo
nas infindas trilhas da luz
E infindos cabelos longos dançando
ao som do punk rock e da disco
através de Vias Lácteas meia-noites
até os Paradisos da madrugada
falando e fumando e pensando
do tudo infindo da noite
no alvo leite da noite a luz da noite
Ah sim oh sim o infindo viver e amar
odiar e amar beijar e matar
Infinda a tique-taque respira tritura
máquina-carne da vida
gira-girando através do tempo
Infinda vida e infinda morte
infindo ar e infindo respirar


Tradução de Paulo Leminski (*) a poesia completa e original se espalha por seis páginas e está incluída na antologia "vida sem fim" da editora Brasiliense de 1981 (nota do blog Mundo de K).
ENDLESS LIFE


Endless the splendid life of the world
Endless its lovely living and breathing
its lovely sentient beings
seeing and hearing feeling and thinking
laughing and dancing sighing and crying
through endless afternoons endless nights
of love and ecstasy joy and despair
drinking and doping talking and singing
in endless Amsterdams of existence
with endless lively conversations
over endless cups of coffee
in literary cafe in rainy mornings
Endless street movies passing
in cars and trams of desire
on the endless tracks of light
And endless longhair dancing
to airless punk rock and airhead disco
through Milky Way midnights
to the Paradisos of dawn
talking and smoking and thinking
of everything endless at night
in the white of night the light of night
Ah yes oh yes the endless living and loving
hating and loving kissing and killing
Endless the ticking breathing breeding
meatwheel of life
turning on and on through time
Endless life and endless death
endless air and endless breath...


19


In the woods where many rivers run
among the unbent hills
and fields of our childhood
where ricks and rainbows mix in memory
although our ‘fields’ were streets
I see again those myriad mornings rise
when every living thing
cast its shadow in eternity
and all day long the light
like early morning
with its sharp shadows shadowing
a paradise
that I had hardly dreamed of
nor hardly knew to think
of this unshaved today
with its derisive rooks
that rise above dry trees
and caw and cry
and question every other
spring and thing.

19 


Em matas pelas quais muitos rios
correm entre morros erectos
e em campos da nossa infância
onde o arco-íris se mistura na memória com a palha
se bem que os ‘campos’ em questão fossem ruas
vejo de novo nascer tantas manhãs assim
quando cada coisa viva
lança na eternidade sua sombra
e a luz que dura o dia todo
é a de desde cedo
com suas sombras sagazes salientando
um paraíso
que nem entrara nos meus sonhos nem
no raciocínio a pensar
nesse dia de hoje sem barba feita
e com essas gralhas zombeteiras
que se erguem sobre árvores secas
grasnam e gritam
questionam sempre alguma
primavera e coisa.


Do livro “Um parque de diversões da cabeça”, Tradução: Leonardo Fróes e Eduardo Bueno, L&PM Pocket).


UTILIDADES DA POESIA


Então, para que serve a poesia nesses nossos dias?
Qual seu uso? Qual sua utilidade?
Nesses dias e noites da Era do Capocalipse
em que a poesia é o asfalto
das estradas dos exércitos noturnos
como naquele paraíso de palmeiras no norte da Nicarágua
onde promessas são feitas nas plazas
e desfeitas nas quebradas
ou nos campos verdíssimos
da Estação de Armas Navais de Concord
onde trens blindados esmagam manifestantes verdes
onde a poesia se faz importante pela ausência
ausência de pássaros na paisagem de verão
ausência de amor nas coxas da meia-noite
ausência de luz ao meio-dia
na Casa (não-tão) Branca
Pois mesmo a poesia ruim é importante
por aquilo que não diz
por aquilo que abandona
Que dizer do sol escorrendo
pela pele da manhã
das noites brancas e das bocas sedentas
lábios ululando Lulu sem parar
e dos seres alados que cantam
e dos gritos distantes numa praia ao anoitecer
e da luz jamais vista na terra ou no mar
e das cavernas descobertas pelo homem
onde corriam rios sagrados
junto às cidades costeiras
onde caminhamos distraídos
intensamente comovidos
com o louco espetáculo da existência
todos esses animais tagarelas sobre rodas
heróis e heroínas com mil olhos
com corações corajosos e superalmas ocultas
nem aí para mitos
(Por uma vida sem mitos!
gritou Joseph Campbell
e se mandou de barco para o Havaí)
sempre impressionados por eu insistir
com esses aprumados bípedes de cara lisa
esses atores frementes
pálidos ídolos nas ruas noturnas
dançarinos extáticos no pó da Last Waltz
nesse tempo de engarrafamentos da Era do Capocalipse
onde a voz do poeta soa distante
a voz da Quarta Pessoa do Singular
a voz dentro da voz da tartaruga
a face atrás da face da raça
letras de luz na página da noite
a ávida voz da vida como Whitman a escutou
um leve riso selvagem
(quiçá a libertemos
do editor de texto da mente!)
E eu sou o repórter diário
de outro planeta
redigindo a história decadente
do Que Quando Onde Como e Por quê
dessa espantosa vida aqui
e dos estranhos palhaços que governam
com os cotovelos no parapeito
das demoníacas aterrorizantes fábricas
lançando suas sombras entrevadas
na grande sombra da Terra
no fim do tempo não visto
no supremo haxixe do nosso sonho


Tradução de Fabiano Calixto, do blog Modo de Usar.


USES OF POETRY

So what is the use of poetry these days
What use is it What good is it
these days and nights in the Age of Autogeddon
in which poetry is what has been paved over
to make a freeway for armies of the night
as in that palm paradiso just north of Nicaragua
where promises made in the plazas
will be betrayed in the back country
or in the so-green fields
of the Concord Naval Weapons Station
Where armed trains run over green protesters
where poetry is made important by its absence
the absence of birds in a summer landscape
the lack of love in a bed at midnight
the lack of light at High Noon
in the no-so-White House
For even bad poetry has relevance
for what it does not say
for what it leaves out
Yes what of the sun streaming down
in the meshes of morning
what of white nights and mouths of desire
lips saying Lulu over and over
and all things born with wings that sing
and far far cries upon a beach at nightfall
and light that never was on land and sea
and caverns measured-out by man
where once the sacred rivers ran
near cities by the sea
through which we walk and wander absently
astounded constantly
and by the mad spectacle of existence
all these talking animals on wheels
heroes and heroines with a thousand eyes
with bents hearts and hidden oversouls
with no more myths to call their own
(No more myths to live by!
cried Joseph Campbell
and went hull-down in Hawaii)
constantly astounded as I am still
by these bare-face bipeds in clothes
these stand-up tragedians
pale idols in the night streets
trance-dancers in the dust of Last Waltz
in this time of gridlock Autogeddon
where the voice of the poet still sounds distantly
the voice of the Fourth Person Singular
the voice within the voice of the turtle
the face behind the face of the race
a book of light at night
the very voice of life as Whitman heard it
a wild soft laughter
(ah but to free it still
from the word-processor of the mind!)
And I am a reporter for a newspaper
on another planet
come to file a down-to-earth story
of the What When Where How and Why
of this astounding life down here
and of the strange clowns in control of it
with hands upon the windowssills
of dread demonic mills
casting their own dark shadows
into the earth’s great shadow
in the end of time unseen
in the supreme hashish of our dream


CORRENDO RISCO CONSTANTEMENTE

Correndo risco constante
de absurdo e morte
toda vez que atua em cima
das cabeças da audiência
o poeta sobe pela rima
como um acrobata
para a corda elevada que ele inventa
e equilibrado nos olhares acesos
sobre um mar de rostos
abre em seus passos uma via
para o outro lado do dia
fazendo além de entrechats
truques variados com os pés
e gestos teatrais da pesada
tudo sem jamais tomar uma
coisa qualquer
pelo que ela possa não ser
Pois ele é o super-realista
Que tem de forçosamente notar
A verdade tensa
Antes de ensaiar um passo ou postura
no seu avanço pressuposto
para o poleiro ainda mais alto
onde com gravidade a Beleza
espera para dar
seu salto mortal.

E ele um pequeno
homem chapliniano
que poderá ou não pegar
aquela forma eterna e bela
projetada no ar
vazio da existência.


Tradução de Eduardo Bueno e Leonardo Fróes 


CONSTANTLY RISKING ABSURDITY


Constantly risking absurdity
and death
whenever he performs
above the heads
of his audience
the poet like an acrobat
climbs on rime
to a high wire of his own making
and balancing on eyebeams
above a sea of faces
paces his way
to the other side of the day
performing entrachats
and sleight-of-foot tricks
and other high theatrics
and all without mistaking
any thing
for what it may not be
For he’s the super realist
who must perforce perceive
taut truth
before the taking of each stance or step
in his supposed advance
toward that still higher perch
where Beauty stands and waits
with gravity
to start her death-defying leap
And he
a little charleychaplin man
who may or may not catch
her fair eternal form
spreadeagled in the empty air
of existence.








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Sobre Jus et Humanitas

Sou Dalcin Lima, advogado, tradutor e um apaixonado por Línguas e Literatura, especialmente poesia. Sou protetor de animais em geral.
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